quarta-feira, 9 de maio de 2012

 


A doutrina, na análise dos tipos de contrato, costuma dividi-los em contratos de resultados e contratos de meio, classificação de grandes efeitos no plano material e, sobretudo no plano processual, em que opera uma total mudança ao ônus da prova.
Divergem, ainda, os doutrinadores sobre a natureza da avença celebrada entre o médico e o paciente, sendo para alguns um contrato de prestação de serviços, e para outros um contrato sui generis. Tendo em vista que o médico não se limita a prestar serviços estritamente técnicos, acabando por se colocar numa posição de conselheiro, de guarda e protetor do enfermo e de seus familiares.
De qualquer forma, essa divergência acerca da natureza jurídica do contrato em nada altera a responsabilidade do médico, posto que, tratando-se de responsabilidade contratual, o que importa saber é se a obrigação gerada pela avença é de resultado ou de meio. E assim é porque, como já vimos, apenas no primeiro caso – obrigação de resultado – a culpa é presumida, devendo ser provada no segundo caso, tal como na responsabilidade delitual.
Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou salvá-lo, principalmente quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, que só os poderes divinos poderão suprir. A obrigação que o médico assume, a toda evidência, é a de proporcionar ao paciente todos os cuidados conscienciosos e atentos, de acordo com as aquisições da ciência. Não se compromete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo aí cuidados e conselhos para que o paciente possa vir a se recuperar.
Logo, a obrigação assumida pelo médico é de meio, e não de resultado, de sorte que, se o tratamento realizado não produziu o efeito esperado, não se pode falar, só por isso, em inadimplemento contratual. Esta conclusão, além de lógica, tem o apoio de todos os autores e é também consagrada pela jurisprudência.
Disso resulta que a responsabilidade médica, embora contratual, é subjetiva e com culpa provada. Não decorre do mero insucesso no diagnóstico ou no tratamento, seja clínico ou cirúrgico. Caberá ao paciente, ou aos seus herdeiros, demonstrar que o resultado funesto do tratamento teve por causa a negligência, imprudência ou imperícia do médico. O Código do Consumidor manteve neste ponto a mesma disciplina do artigo 1.545 do Código Civil de 1916, que corresponde ao art. 951 do Código Civil de 2002. Embora seja o médico um prestador de serviços, o Código de Defesa do Consumidor, no § 4º do seu art.14, abriu uma exceção ao sistema de responsabilidade objetiva nele estabelecido. Diz ali que: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.” Devemos ter em mente, todavia, que o Código do Consumidor foi bem claro ao dizer que a exceção só abrange a responsabilidade pessoal do profissional liberal, não oferecendo, portanto, a pessoa jurídica na qual ele trabalhe como empregado ou faça parte da sociedade. Assim, por exemplo, se vários médicos resolverem constituir uma sociedade, a responsabilidade desta não será subjetiva.
O fato de ser o contrato enquadrável numa das duas referidas espécies influi sobre a definição do objeto do negócio jurídico, isto é, a configuração da prestação devida, e, consequentemente, sobre a conceituação do inadimplemento.
Na obrigação de resultado, o contratante obriga-se a alcançar um determinado fim, cuja não consecução importa em descumprimento do contrato. Ensina Venosa (2004, p. 77): “[...] obrigações de resultado, o que importa é a aferição se o resultado colimado foi alcançado. Só assim a obrigação será tuda como cumprida”.
Já na obrigação de meio, o que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem ter o compromisso de atingi-lo. O objeto do contrato limita-se à referida atividade, de modo que o devedor tem que empenhar-se na procura do fim que justifica o negócio jurídico, agindo com zelo e de acordo com a técnica própria de sua função; a frustração, porém, do objeto visado não configura inadimplemento, nem, obviamente, enseja dever de indenizar o dano suportado pelo outro contratante.
Como diz Venosa (2004, p.77):
o devedor compromete-se a empregar os meios apropriados de seu mister, para determinada atividade, o que permitirá ao credor “esperar” um resultado satisfatório, podendo ocorrer que esse bom resultado não seja alcançado. É o que sucede por exemplo, com advogado e o médico.

 Somente haverá inadimplemento, com seus consectários jurídicos, quando a atividade for mal desempenhada. É o que se passa, em principio, com a generalidade dos contratos de prestação de serviços.
Veja julgado neste sentido:
INDENIZAÇÃO- PRESPONSABILIZAÇÃO DE MÉDICO E HOSPITAL POR ALEGADA CONDUTA IMPERITA- Ausência de prova- culpa que não se presume, embora se identifique uma prestação de serviços- Obrigação de meio e não de resultado- improcedência do pleito em primeiro grau- Recurso não provido ( TJSP_ Apelação Cível nº 280.361-1- Assis- 3º Câmara de Direito Privado- Rel Ney Almada- 15-4-97- v.u.)

    Cirurgia plástica – obrigação de meio ou de resultado?

 

Autorizada pelo art. 51 do Código de Ética, a cirurgia estética, tem se tornado muito comum, principalmente entre os brasileiros, e deve por isso atenção em dobro, pois passíveis de erro como qualquer outro procedimento cirúrgico,há  particularidades que devem ser levadas em consideração, reza o referido artigo: “São lícitas as intervenções cirúrgicas com finalidade estética, desde que necessárias ou quando o defeito a ser removido ou atenuado seja fator de desajuste psíquico.”
Importa, nessa especialidade, distinguir a cirurgia corretiva da estética. A primeira tem por finalidade corrigir deformidade física congênita ou traumática. O paciente, como sói acontecer, tem o rosto cortado, às vezes deformado, em acidente automobilístico; casos existem de pessoas que nascem com deformidade da face e outras em defeitos físicos, sendo, então, recomendável a cirurgia plástica corretiva. O médico, nesses casos, por mais competente que seja nem sempre pode garantir, nem pretender, eliminar completamente o defeito. Sua obrigação, por conseguinte, continua sendo meio. Tudo fará para melhorar a aparência física do paciente, minorar-lhe o defeito, sendo, às vezes, necessárias várias cirurgias sucessivas.
O mesmo já não ocorre com a cirurgia estética. O objetivo do paciente é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição física – afinar o nariz, eliminar as rugas do rosto etc.
 Nesses casos, não há dúvida, o médico assume sim, obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido. Se esse resultado não é possível, deve desde logo alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia. O ponto chave, é o que foi informado ao paciente quanto ao resultado esperável. Se o paciente só foi informado dos resultados positivos que poderiam ser obtidos, sem ser advertido dos possíveis efeitos negativos, eis aí a violação do dever de informar, suficiente para respaldar a responsabilidade médica.
Afirma Venosa (2004, p. 121):
Não resta dúvida de que a cirurgia estética ou meramente embelezadora trará em seu bojo uma relação contratual. Como nesse caso, na maioria das vezes, o paciente não sofre de moléstia nenhuma e a finalidade procurada é obter unicamente um resultado estético favorável, entendemos que se trata de obrigação de resultado. Nessa premissa, se não fosse assegurado um resultado favorável pelo cirurgião, certamente não haveria consentimento do paciente.

Há quem conteste, tanto na doutrina de outros países como na brasileira, assumir o médico obrigação de resultado na cirurgia estética. O eminente Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr., depois de anotar que a orientação hoje vigente na França, na doutrina e na Jurisprudência, se inclina por admitir que a obrigação a que está submetido o cirurgião plástico não é diferente daquela dos demais cirurgiões, pois corre os mesmos riscos e depende da mesma álea, endossa esse entendimento, tendo em vista que em toda operação existe um risco ligado à reação do próprio organismo humano, tipo de pele extremamente sensível, infecção hospitalar etc., situações muitas vezes imprevisíveis e que não podem ser imputadas ao médico. A eventual falta de informações precisa sobre o risco, e a não obtenção de consentimento plenamente esclarecido, conduzirão à responsabilidade do cirurgião, mas por descumprimento culposo da obrigação de meios.
Na realidade, a crônica médica registra casos em que o cirurgião, embora aplicando corretamente as técnicas que sempre utilizou com absoluto sucesso em inúmeros pacientes, não obtém o resultado esperado em razão de características peculiares do próprio paciente, não detectáveis antes da operação.
Tais circunstâncias, entretanto, ao nosso entender, não afastam a obrigação de resultado. Não se pode negar o óbvio, que decorre das regras da experiência comum; ninguém se submete aos riscos de uma cirurgia, nem se dispõe a fazer elevados gastos, para ficar com a mesma aparência, ou ainda pior. O resultado que se quer é claro e preciso, de sorte que, se não for possível alcançá-lo, caberá ao médico provar que o insucesso total ou parcial deveu-se a fatores imponderáveis.
Com isso fica uma pergunta no ar, indagando como se justifica essa obrigação de resultado do médico em face da responsabilidade subjetiva estabelecida no Código do Consumidor para os profissionais liberais? Essa indagação só cria embaraço para aqueles que entendem que a obrigação de resultado gera sempre responsabilidade objetiva. Entendendo, todavia, que a obrigação de resultado em alguns casos apenas inverte o ônus da prova quanto à culpa; a responsabilidade continua sendo subjetiva, mas com culpa presumida. O Código do Consumidor não criou para os profissionais liberais nenhum regime especial, privilegiado, limitando-se a afirmar que a apuração de sua responsabilidade continuaria a ser feita de acordo com o sistema tradicional, baseado na culpa. Logo, continuam a ser-lhes aplicáveis as regras da responsabilidade subjetiva com culpa provada nos casos em que assumem obrigação de meio; e as regras da responsabilidade subjetiva com culpa presumida nos casos em que assumem obrigação de resultado.
Em conclusão, no caso de insucesso na cirurgia plástica, por se tratar de obrigação de resultado, haverá presunção de culpa do médico que a realizou, cabendo-lhe elidir essa presunção mediante prova da ocorrência de fator imponderável capaz de afastar o seu dever de indenizar.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em que pese a divergência dos eminentes Mins. Ruy Rosado de Aguiar e Carlos Alberto Menezes Direito (v. erudito voto na RSTJ 119/294-304), continua entendendo que a cirurgia estética gera obrigação de resultado, merecendo destaque o julgamento do REsp 81.101-PR,3ª Turma, do qual foi o relator o eminente Min. Waldemar Zveiter: “ Cirurgia estética ou plástica – Obrigação de resultado (responsabilidade contratual ou objetiva) – Indenização – Inversão do ônus da prova. Contratada a realização da cirurgia plástica embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado (responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade. Cabível a inversão do ônus da prova.” Em seu voto o douto Relator reportou-se a precedente de sua lavra – REsp 10.536-RJ, merecendo a adesão do Min. Eduardo Ribeiro com as seguintes colocações: “No plano do Direito Material pode-se ter como certo que a obrigação do cirurgião plástico é apenas de utilizar-se da melhor técnica, mas isso não afasta que, no plano do Direito Processual, seja licito atribuir-lhe o ônus de provar que assim procedeu. Ter-se á em conta, para isso, o que acima ficou exposto. O que se pretende obter com a cirurgia estética é algo que se pode dispensar e certamente se dispensará se os riscos forem grandes. Se o profissional dispõe-se a efetua-la é porque os avaliou e concluiu que não o são. Verificando-se a deformação, em lugar do embelezamento, goza de verossimilhança a assertiva de que a melhor técnica não terá sido seguida, ensejando a aplicação do art. 6º, VIII, do Código do Consumidor. Nem haverá qualquer desatenção ao que estabelece o art.14, §4º, do referido Código. A responsabilidade depende da culpa, mas o ônus da prova se inverte. A incidência da norma que admite seja isso feito supõe exatamente que, em principio, caberia à outra parte” (RSTJ 119/290-309).
Enfatize-se, para terminar, que os profissionais liberais, como prestadores de serviços que são, não estão fora da disciplina do Código do Consumidor. A única exceção que lhes abriu foi quanto à responsabilidade objetiva. E se foi preciso estabelecer essa exceção é porque estão subordinados aos demais princípios do Código do Consumidor – informação, transparência, boa-fé, inversão do ônus da prova etc.