A doutrina, na análise dos tipos de contrato, costuma
dividi-los em contratos de resultados e contratos de meio, classificação de
grandes efeitos no plano material e, sobretudo no plano processual, em que
opera uma total mudança ao ônus da prova.
Divergem,
ainda, os doutrinadores sobre a natureza da avença celebrada entre o médico e o
paciente, sendo para alguns um contrato de prestação de serviços, e para outros
um contrato sui generis. Tendo em vista que o médico não se limita a prestar
serviços estritamente técnicos, acabando por se colocar numa posição de
conselheiro, de guarda e protetor do enfermo e de seus familiares.
De
qualquer forma, essa divergência acerca da natureza jurídica do contrato em
nada altera a responsabilidade do médico, posto que, tratando-se de
responsabilidade contratual, o que importa saber é se a obrigação gerada pela
avença é de resultado ou de meio. E assim é porque, como já vimos, apenas no
primeiro caso – obrigação de resultado – a culpa é presumida, devendo ser
provada no segundo caso, tal como na responsabilidade delitual.
Nenhum
médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o
doente ou salvá-lo, principalmente quando em estado grave ou terminal. A
ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações,
que só os poderes divinos poderão suprir. A obrigação que o médico assume, a
toda evidência, é a de proporcionar ao paciente todos os cuidados
conscienciosos e atentos, de acordo com as aquisições da ciência. Não se
compromete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os
métodos da profissão, incluindo aí cuidados e conselhos para que o paciente
possa vir a se recuperar.
Logo,
a obrigação assumida pelo médico é de meio, e não de resultado, de sorte que,
se o tratamento realizado não produziu o efeito esperado, não se pode falar, só
por isso, em inadimplemento contratual. Esta conclusão, além de lógica, tem o
apoio de todos os autores e é também consagrada pela jurisprudência.
Disso
resulta que a responsabilidade médica, embora contratual, é subjetiva e com
culpa provada. Não decorre do mero insucesso no diagnóstico ou no tratamento,
seja clínico ou cirúrgico. Caberá ao paciente, ou aos seus herdeiros,
demonstrar que o resultado funesto do tratamento teve por causa a negligência,
imprudência ou imperícia do médico. O Código do Consumidor manteve neste ponto
a mesma disciplina do artigo 1.545 do Código Civil de 1916, que corresponde ao
art. 951 do Código Civil de 2002. Embora seja o médico um prestador de
serviços, o Código de Defesa do Consumidor, no § 4º do seu art.14, abriu uma
exceção ao sistema de responsabilidade objetiva nele estabelecido. Diz ali que:
“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa.” Devemos ter em mente, todavia, que o Código do
Consumidor foi bem claro ao dizer que a exceção só abrange a responsabilidade
pessoal do profissional liberal, não oferecendo, portanto, a pessoa jurídica na
qual ele trabalhe como empregado ou faça parte da sociedade. Assim, por
exemplo, se vários médicos resolverem constituir uma sociedade, a
responsabilidade desta não será subjetiva.
O
fato de ser o contrato enquadrável numa das duas referidas espécies influi
sobre a definição do objeto do negócio jurídico, isto é, a configuração da
prestação devida, e, consequentemente, sobre a conceituação do inadimplemento.
Na
obrigação de resultado, o contratante obriga-se a alcançar um determinado fim,
cuja não consecução importa em descumprimento do contrato. Ensina Venosa (2004,
p. 77): “[...] obrigações de resultado, o que importa é a aferição se o
resultado colimado foi alcançado. Só assim a obrigação será tuda como
cumprida”.
Já
na obrigação de meio, o que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização
de certa atividade, rumo a um fim, mas sem ter o compromisso de atingi-lo. O
objeto do contrato limita-se à referida atividade, de modo que o devedor tem
que empenhar-se na procura do fim que justifica o negócio jurídico, agindo com
zelo e de acordo com a técnica própria de sua função; a frustração, porém, do
objeto visado não configura inadimplemento, nem, obviamente, enseja dever de
indenizar o dano suportado pelo outro contratante.
Como
diz Venosa (2004, p.77):
o
devedor compromete-se a empregar os meios apropriados de seu mister, para
determinada atividade, o que permitirá ao credor “esperar” um resultado
satisfatório, podendo ocorrer que esse bom resultado não seja alcançado. É o
que sucede por exemplo, com advogado e o médico.
Somente haverá inadimplemento, com seus
consectários jurídicos, quando a atividade for mal desempenhada. É o que se
passa, em principio, com a generalidade dos contratos de prestação de serviços.
Veja
julgado neste sentido:
INDENIZAÇÃO-
PRESPONSABILIZAÇÃO DE MÉDICO E HOSPITAL POR ALEGADA CONDUTA IMPERITA- Ausência
de prova- culpa que não se presume, embora se identifique uma prestação de
serviços- Obrigação de meio e não de resultado- improcedência do pleito em
primeiro grau- Recurso não provido ( TJSP_ Apelação Cível nº 280.361-1- Assis-
3º Câmara de Direito Privado- Rel Ney Almada- 15-4-97- v.u.)
Cirurgia plástica – obrigação de meio ou de resultado?
Autorizada
pelo art. 51 do Código de Ética, a cirurgia estética, tem se tornado muito
comum, principalmente entre os brasileiros, e deve por isso atenção em dobro,
pois passíveis de erro como qualquer outro procedimento cirúrgico,há particularidades que devem ser levadas em
consideração, reza o referido artigo: “São lícitas as intervenções cirúrgicas
com finalidade estética, desde que necessárias ou quando o defeito a ser
removido ou atenuado seja fator de desajuste psíquico.”
Importa,
nessa especialidade, distinguir a cirurgia corretiva da estética. A primeira
tem por finalidade corrigir deformidade física congênita ou traumática. O
paciente, como sói acontecer, tem o rosto cortado, às vezes deformado, em
acidente automobilístico; casos existem de pessoas que nascem com deformidade
da face e outras em defeitos físicos, sendo, então, recomendável a cirurgia
plástica corretiva. O médico, nesses casos, por mais competente que seja nem
sempre pode garantir, nem pretender, eliminar completamente o defeito. Sua obrigação,
por conseguinte, continua sendo meio. Tudo fará para melhorar a aparência
física do paciente, minorar-lhe o defeito, sendo, às vezes, necessárias várias
cirurgias sucessivas.
O
mesmo já não ocorre com a cirurgia estética. O objetivo do paciente é melhorar
a aparência, corrigir alguma imperfeição física – afinar o nariz, eliminar as
rugas do rosto etc.
Nesses casos, não há dúvida, o médico assume
sim, obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o
resultado pretendido. Se esse resultado não é possível, deve desde logo
alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia. O ponto chave, é o que foi
informado ao paciente quanto ao resultado esperável. Se o paciente só foi
informado dos resultados positivos que poderiam ser obtidos, sem ser advertido
dos possíveis efeitos negativos, eis aí a violação do dever de informar,
suficiente para respaldar a responsabilidade médica.
Afirma
Venosa (2004, p. 121):
Não
resta dúvida de que a cirurgia estética ou meramente embelezadora trará em seu
bojo uma relação contratual. Como nesse caso, na maioria das vezes, o paciente
não sofre de moléstia nenhuma e a finalidade procurada é obter unicamente um
resultado estético favorável, entendemos que se trata de obrigação de
resultado. Nessa premissa, se não fosse assegurado um resultado favorável pelo
cirurgião, certamente não haveria consentimento do paciente.
Há
quem conteste, tanto na doutrina de outros países como na brasileira, assumir o
médico obrigação de resultado na cirurgia estética. O eminente Min. Ruy Rosado
de Aguiar Jr., depois de anotar que a orientação hoje vigente na França, na
doutrina e na Jurisprudência, se inclina por admitir que a obrigação a que está
submetido o cirurgião plástico não é diferente daquela dos demais cirurgiões,
pois corre os mesmos riscos e depende da mesma álea, endossa esse entendimento,
tendo em vista que em toda operação existe um risco ligado à reação do próprio
organismo humano, tipo de pele extremamente sensível, infecção hospitalar etc.,
situações muitas vezes imprevisíveis e que não podem ser imputadas ao médico. A
eventual falta de informações precisa sobre o risco, e a não obtenção de
consentimento plenamente esclarecido, conduzirão à responsabilidade do
cirurgião, mas por descumprimento culposo da obrigação de meios.
Na
realidade, a crônica médica registra casos em que o cirurgião, embora aplicando
corretamente as técnicas que sempre utilizou com absoluto sucesso em inúmeros
pacientes, não obtém o resultado esperado em razão de características
peculiares do próprio paciente, não detectáveis antes da operação.
Tais
circunstâncias, entretanto, ao nosso entender, não afastam a obrigação de
resultado. Não se pode negar o óbvio, que decorre das regras da experiência
comum; ninguém se submete aos riscos de uma cirurgia, nem se dispõe a fazer
elevados gastos, para ficar com a mesma aparência, ou ainda pior. O resultado
que se quer é claro e preciso, de sorte que, se não for possível alcançá-lo,
caberá ao médico provar que o insucesso total ou parcial deveu-se a fatores
imponderáveis.
Com
isso fica uma pergunta no ar, indagando como se justifica essa obrigação de
resultado do médico em face da responsabilidade subjetiva estabelecida no
Código do Consumidor para os profissionais liberais? Essa indagação só cria
embaraço para aqueles que entendem que a obrigação de resultado gera sempre
responsabilidade objetiva. Entendendo, todavia, que a obrigação de resultado em
alguns casos apenas inverte o ônus da prova quanto à culpa; a responsabilidade
continua sendo subjetiva, mas com culpa presumida. O Código do Consumidor não
criou para os profissionais liberais nenhum regime especial, privilegiado,
limitando-se a afirmar que a apuração de sua responsabilidade continuaria a ser
feita de acordo com o sistema tradicional, baseado na culpa. Logo, continuam a
ser-lhes aplicáveis as regras da responsabilidade subjetiva com culpa provada
nos casos em que assumem obrigação de meio; e as regras da responsabilidade
subjetiva com culpa presumida nos casos em que assumem obrigação de resultado.
Em
conclusão, no caso de insucesso na cirurgia plástica, por se tratar de
obrigação de resultado, haverá presunção de culpa do médico que a realizou,
cabendo-lhe elidir essa presunção mediante prova da ocorrência de fator
imponderável capaz de afastar o seu dever de indenizar.
A
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em que pese a divergência dos
eminentes Mins. Ruy Rosado de Aguiar e Carlos Alberto Menezes Direito (v.
erudito voto na RSTJ 119/294-304), continua entendendo que a cirurgia estética
gera obrigação de resultado, merecendo destaque o julgamento do REsp
81.101-PR,3ª Turma, do qual foi o relator o eminente Min. Waldemar Zveiter: “
Cirurgia estética ou plástica – Obrigação de resultado (responsabilidade
contratual ou objetiva) – Indenização – Inversão do ônus da prova. Contratada a
realização da cirurgia plástica embelezadora, o cirurgião assume obrigação de
resultado (responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo não
cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou de alguma
irregularidade. Cabível a inversão do ônus da prova.” Em seu voto o douto
Relator reportou-se a precedente de sua lavra – REsp 10.536-RJ, merecendo a
adesão do Min. Eduardo Ribeiro com as seguintes colocações: “No plano do
Direito Material pode-se ter como certo que a obrigação do cirurgião plástico é
apenas de utilizar-se da melhor técnica, mas isso não afasta que, no plano do
Direito Processual, seja licito atribuir-lhe o ônus de provar que assim
procedeu. Ter-se á em conta, para isso, o que acima ficou exposto. O que se
pretende obter com a cirurgia estética é algo que se pode dispensar e
certamente se dispensará se os riscos forem grandes. Se o profissional
dispõe-se a efetua-la é porque os avaliou e concluiu que não o são. Verificando-se
a deformação, em lugar do embelezamento, goza de verossimilhança a assertiva de
que a melhor técnica não terá sido seguida, ensejando a aplicação do art. 6º,
VIII, do Código do Consumidor. Nem haverá qualquer desatenção ao que estabelece
o art.14, §4º, do referido Código. A responsabilidade depende da culpa, mas o
ônus da prova se inverte. A incidência da norma que admite seja isso feito
supõe exatamente que, em principio, caberia à outra parte” (RSTJ 119/290-309).
Enfatize-se,
para terminar, que os profissionais liberais, como prestadores de serviços que
são, não estão fora da disciplina do Código do Consumidor. A única exceção que
lhes abriu foi quanto à responsabilidade objetiva. E se foi preciso estabelecer
essa exceção é porque estão subordinados aos demais princípios do Código do
Consumidor – informação, transparência, boa-fé, inversão do ônus da prova etc.
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